Violência nas escolas: um caso de polícia ou de família?
Hoje estaremos entrevistando o THITO FÁBIO, Professor e Palestrante. Mestre em Filosofia/FAJE; Licenciado em Filosofia. É, também, amigo pessoal meu desde os anos do Ensino Médio, no Colégio Pinheirense na cidade de Pinheiro MA.
O tema abordado será sobre a violência nas escolas. Acompanhe a entrevista a seguir.
Dr. Charles – Thito, eu tenho olhado com muita tristeza e preocupação o que temos visto acontecer nas escolas de vários Estados aqui do Brasil, inclusive no interior do Maranhão, como por exemplo em nossa vizinha aqui do lado, a cidade de Bequimão. O que você acredita que tem contribuído para essa situação?
Prof. Thito – Comungo da mesma preocupação e tristeza, como pai, como professor, como cidadão. Não é fácil apontar uma causa ou um fator para o que está acontecendo. A violência nas escolas é algo que vem crescendo nos últimos anos, contudo, o que temos visto nos últimos dias são atrocidades dentro das escolas, ou seja, a violência em sua forma mais cruel. Existe um conjunto de fatores que precisam ser levados em consideração quando tratamos esse tema. No Estado do Tocantins, por exemplo, no ano passado, foram registrados mais de 100 boletins de ocorrência entre janeiro e agosto. Nós temos uma subnotificação desses casos, eu mesmo constatei em 2019 nas escolas de Cururupu. Teve um caso em que a escola foi invadida, mas a gestora não fez a denúncia. Muitos professores e alunos não denunciam os casos e alguns casos que chegam a serem denunciados, não são levados em frente.
Dr. Charles – Então para você a violência e os atentados são distintos?
Prof. Thito – Não. Ambos os casos são violência. Se você for em qualquer escola da rede pública e perguntar aos professores e/ou alunos, se algum deles já presenciou ou foi vítima de violência na escola, você ouvirá relatos de intimidação, agressões, ameaças, bullyng, homofobia, racismo, assédios, uso de drogas, etc. Isso tudo é muito comum nas escolas, mas você não vê uma força tarefa nem da escola, nem dos governos, nem dos pais, nem da sociedade, para tratar e buscar resolver a situação. Isso se dá por que há uma tendência de “empurrar com a barriga” casos de “pequena” repercussão, pois não morreu ninguém, não repercutiu, não incomodou o suficiente. A sociedade tolera certas coisas e vai “normalizando”.
O que quero deixar claro é que a violência está aí, crescendo. Esses casos, são como bombas explodindo, e bombas foram feitas para explodir. O trabalho é evitar que as bombas sejam fabricadas, e quando fabricadas, evitar que sejam armadas, e se armadas, evitar que sejam detonadas, e quando detonadas, cuidar para que não se repita… Nós estamos nesses últimos estágios.
Nós precisamos aproveitar esses eventos e olhar com mais cuidado para o caso complexo da violência nas escolas e a falência da família.
Dr. Charles – O que você quer dizer com a “falência da família”?
Prof. Thito – Quando casos como esses acontecem, temos a petulância de apontar o dedo para o ESTADO e todas as autoridades, e exigir uma resposta, dizendo que falta policiamento, que não há segurança etc. A verdade é que a responsabilidade é NOSSA. A violência que chega nas escolas, que extrapola nas ruas, ela nasce em nossos lares. O ESTADO combate aquilo que nós criamos e não conseguimos conter. E a Constituição em seu Art. 144 é taxativa: “segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”
Ora, cada vez mais, temos famílias que não educam seus filhos, não ensinam os valores e princípios que permitem a boa convivência em sociedade, pois esse papel é da família. É em casa que a criança tem que aprender a ouvir o primeiro “não”, a dar bom dia, a dizer obrigado, a respeitar o espaço do outro, a dizer por favor. Podemos afirmar que o primeiro ensaio civilizatório é na família. Mas, nossas casas foram tomadas pela televisão, pela internet, pelas redes sociais. As refeições já não são na mesa com a família reunida, e sim em frente a tv ou notbook/celular. O modelo de comportamento não é mais o pai ou a mãe e sim um “influencer”. Limites não são impostos em casa, como impor nas escolas? Pais que não dialogam com seus filhos, que não conquistam seus corações, que não olham nos seus olhos, que não cantam para seus filhos dormirem, mas lhe dão celular para adormecer. Famílias formadas pelo acaso; famílias inteiras mergulhadas nas drogas, na criminalidade, na prostituição. Como cobrar consciência daqueles que estão vivendo inconscientemente?
Essa liquidez dos tempos pós-modernos e pós-capitalista (ou capitalista como preferem alguns) esfacelou as relações familiares e, consequentemente as relações sociais. O mal do século – ansiedade – espreita nossas mentes e tem levado cada vez mais cedo nossas crianças e nossos jovens para a “escuridão”.
Dr. Charles – Então você acredita que a internet é um dos fatores que contribuem para o atual cenário?
Prof. Thito – Com certeza. A internet virou um “portal mágico” que qualquer um pode acessar e atravessar para qualquer mundo possível, acessando o que há de mais belo ou o que há de mais vil, sendo um refúgio para muitos. E mais uma vez quem deve disciplinar seu uso por parte das crianças e adolescentes, são os pais, e não o fazem. A Inteligência Artificial avançou muito e tem facilitado o acesso a tecnologias cada vez mais sofisticadas, com pouca ou nenhuma regulamentação. A isso acrescento as sabias palavras do filósofo e sociólogo Bauman “os seres humanos do século XX são de dois mundos”. A internet tornou-se o lugar ideal para aqueles que buscam a fuga dos conflitos, do caos, da dialética que é própria da vida humana, desordenando o mundo da vida. Na rede eu sou quem eu quero, sem fragilidades, não corro riscos. A rede se tornou a caverna.
Dr. Charles – Você já foi policial e trabalhou na Ronda Escolar em Cururupu, onde tratou diretamente com a violência nas escolas. No atual cenário qual o papel das Rondas Escolares, e até onde podem contribuir?
Prof. Thito – O trabalho das Rondas Escolares, seja da PM ou GM é muito importante. A presença das guarnições ajuda a inibir alguns tipos de violência. O Governo Federal, através do Ministério da Justiça, lançou edital de 150 milhões para os estados no sentido de ampliar e fortalecer projetos de segurança nas escolas. Excelente!
Percebemos que há sim um investimento, porém, isso não é suficiente. Pois como disse anteriormente, não é só o ESTADO o responsável em tratar desse tema. O caso da violência nas escolas não é caso de polícia, é mais de família do que de polícia. O que um policial vai fazer quando uma criança de 10 anos, tomada pela fúria, parte para cima de uma professora (caso concreto)? O que um policial vai fazer se uma criança ataca outra com um estilete? Nossas policiais não estão preparadas para esse tipo de situação. E sabe por que? Por que não é para acontecer esse tipo de situação. A situação é muito grave e muito complexa. Cito aqui uma fala de uma grande especialista em violência na escola, a Professora Miriam Abramovay: “Lugar de polícia não é nas escolas, e sim nas ruas”.
A polícia não vai resolver o problema. É assustador o que estamos querendo fazer: temos que chamar a polícia para revistar as mochilas de crianças e adolescentes nas escolas, porque os pais não conseguem fazer isso em casa.
Uma prática que adotei quando estive a frente do Ronda Escolar era fazer palestras voltadas para comunidade escolar (pais, professores, gestores, alunos) sobre inteligência emocional, autorresponsablidade, projeto de vida, alteridade, empatia, disciplina, etc. O interessante desse trabalho é que eu consegui renuir todos os atores sociais e órgãos que se ligam com esse tema: Semed, Cras, Creas, Comunidade Escolar, Ministério Público, Comarca, Conselho Tutelar, Igrejas. Aí você entende que o problema não é só da Segurança Pública. Eu diria que a frente do Ronda Escolar, eu agia mais como professor e palestrante do que como policial. Isso deu certo! Eu percebi que o que a comunidade mais necessitava não era de aprender sobre prevenção ao uso de drogas e crimes, mas, um conteúdo que falasse da vida concreta de cada um, que ajudasse a reflexão de vida. E nesse sentido a filosofia, bem como a sociologia e demais humanidades, ajudam bastante. Por isso, devem ser inseridas nos currículos de forma regular para ajudar no processo formativo dos alunos e dos professores.
Dr. Charles – Quais medidas você aponta como necessárias para enfrentar a situação?
Prof. Thito – Eu penso que o primeiro passo é olhar a situação como multifatorial. Ter uma visão sistêmica do ser humano e da sociedade. Convocar todos os atores para assumir seus papéis, e acho que isso está sendo feito, tanto em âmbito federal, estadual e municipal. Talvez alguns municípios estejam mais “tranquilos”, mas não deveriam.
O segundo passo é trabalhar a prevenção, eis o grande desafio. É necessário investir no melhoramento das estruturas das escolas; ampliar as escolas de tempo integral; investir em políticas para a juventude; investir no esporte e lazer, principalmente para a juventude negra e pobre; fortalecer os debates dentro das escolas como forma de ajudar a trabalhar os princípios e valores que são aprendidos na família. Se em casa os filhos experimentam pela primeira vez os limites, é na escola que eles conseguem ampliar essa experiência, no encontro com o outro, na sua individualidade; é aqui que os alunos se dão conta da alteridade, da coletividade, da empatia.
Nesse sentido, as disciplinas de Filosofia, Sociologia e demais humanidades, precisam ter mais espaço na grade curricular e serem trabalhados por profissionais habilitados na área. Precisamos ampliar o valor irrisório da merenda escolar; começar a experiência de escolas de tempo integral em nível de educação básica; discutir o uso das redes sociais e da internet dentro das escolas.
Tem um ponto que eu apontei no meu relatório, e abordei nas palestras e treinamentos para professores e demais profissionais da área que diz o seguinte: é preciso trabalhar com os alunos sobre violência, sobre inteligência emocional, mas não podemos deixar de lado os profissionais da educação, do porteiro ao gestor geral. Temos professores que estão há 20 anos em sala de aula e alguns não sabem nem utilizar um computador, não possuem inteligência emocional, não sabe se relacionar com seus pares e, muito menos com os alunos. Profissionais totalmente desmotivados. Como tratar esses profissionais? Esse papel cabe as SEMED’s e SEDUC’s.
Não podemos esquecer que os professores e demais profissionais são seres humanos, e portanto, falíveis, sujeitos a depressão, ansiedade, transtornos de vários tipos. A passagem pelo trágico revela o que há de mais belo no ser humano, sua capacidade de reinvenção, que nos convida a ver com esperança a saída para tal situação. Enxergando cada um não só como profissional, mas como pessoa humana.
O terceiro passo é alcançar as famílias, e esse é o ponto em que a escola precisa de toda a sociedade. Não é possível prevenir violência nas escolas, sem a família. E finalizo com uma frase do Papa Francisco: “Vós, famílias, sois a esperança da Igreja e do mundo. Com o vosso testemunho do Evangelho, podeis ajudar Deus a realizar o seu sonho”.
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